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Há uma luta de classes na polícia brasileira

Artigo que resume os problemas da polícia brasileira conforme a visão do autor. Entrada única, ciclo completo e carreira única são soluções. Brasil precisa avançar e artigos como este buscam o debate. Você discorda ou concorda? Mande também sua opinião ou artigo!

24/02/2016 – por Alex Agra

Estrutura e indivíduo – Uma análise dialética da Segurança Pública no Brasil

Para estudar os problemas do modelo das polícias no Brasil, é preciso entender que as contradições que o modelo de segurança pública apresenta vão além de obstáculos individuais, ou seja, questões de caráter ou formação de um policial (ou um grupo de policiais) específico(s). Trata-se de um empecilho sistemático muito bem colocado por um sistema criado para não funcionar. Visto isso, o objetivo dessa reflexão não será condenar ou isentar o policial enquanto indivíduo, mas entender que há em volta dele um contexto histórico, social e estrutural para que as limitações atuais existam.

Primeiro é preciso entender que: há uma luta de classes na polícia brasileira. Existe um grupo formado por pessoas do alto escalão das polícias (oficiais e delegados) com o lobby muito bem articulado no congresso e que não tem o menor interesse nos avanços da segurança pública. Talvez o maior e mais claro exemplo desse lobby seja a ligação entre o vazamento de informações da Operação Lava Jato, o plano orquestrado pela ADPF pra aprovar a MP 657, e o conteúdo da mesma. Esse grupo necessita desse lobby para garantir a manutenção de poder dentro do sistema atual, visto que para superar as contradições apresentadas por esse modelo vigente, é necessário que se mude as estruturas de poder dentro das corporações.

O cargo de delegado, por exemplo. A função do delegado de polícia atualmente é presidir o inquérito policial, elemento obsoleto e absolutamente inútil para a investigação policial no Brasil. Não faz sentido utilizar um aparato burocrático com função descritiva como o inquérito policial, especialmente porque em termos de contribuição para a investigação, ele mais atrapalha do que ajuda, já que a sua existência cria a necessidade um cargo de atravessador, que obsta a comunicação direta entre o investigador e o Ministério Público. Em sistemas que apresentam resultados melhores que os nossos, como por exemplo, o Chile e os EUA, não há a necessidade de um atravessador e a proximidade da polícia com o Ministério Público é inclusive muito benéfica para as investigações, visto que centraliza o papel de cada um no sistema de segurança pública, não abrindo precedentes para que os policiais se sintam no direito de ocupar o espaço que pertence ao judiciário.

Para exemplificar o problema da luta de classes nas polícias (expressa sobretudo, na ausência de carreira única), podemos usar o cargo de oficial da PM. Existe um abismo salarial entre os cargos ocupados pelos oficiais e os ocupados pelos praças. Outra diferença a se considerar é que normalmente (embora alguns estados adotem outros modelos), para ingressar no cargo de oficial é necessário ter ensino superior completo, enquanto para o cargo de praça normalmente é ensino médio completo e/ou curso técnico. Visto isso, vamos centralizar o debate em um questionamento: por que duas vias de entrada na polícia? Se você assume que uma via filtra o pessoal “mais capaz” e a outra o pessoal “menos capaz”, então assume ao mesmo tempo, que o sistema precariza parte dos policiais já na forma de ingresso. Se você assume a possibilidade uma entrada única para o cargo policial, e a partir do mérito e experiência do policial, ele progride na carreira, você está partindo de um pressuposto muito simples: o que deve ser valorizado no policial é o seu êxito na atividade policial, sendo consideradas suas especialidades e formação. Isso faz com que o policial mais preparado para executar a atividade policial esteja à frente das operações em que suas habilidades são necessárias e exclui completamente a possibilidade de um doutor da área jurídica que não tem a experiência necessária para comandar uma operação esteja liderando uma equipe de policiais.

Visto isso, temos elementos subjetivos essenciais fundamentados em uma base material para chegar a uma síntese simples: a luta de classes dentro da polícia brasileira precisa chegar ao fim. E o único método de fazê-lo é através da implantação do modelo de carreira única, que exige uma reforma de todo o modelo de segurança pública e a superação (pode-se ler também: supressão) dos cargos de poder que existem atualmente.

Partindo desse ponto, podemos ir pra outro fator que interfere diretamente na eficiência das polícias: a ausência de ciclo completo. Temos duas metades de polícia trabalhando com pouca (ou nenhuma) comunicação entre si, fracionando o trabalho policial e reduzindo a sua efetividade. Não é difícil encontrar um caso em que um há conflitos entre as duas polícias estaduais (PM e PC), por vezes resultando inclusive na morte dos policiais. Uma polícia de ciclo completo significa uma polícia capaz de absorver todos os elementos de uma investigação policial e ao mesmo tempo estar em patrulha na busca dos envolvidos. Uma polícia de ciclo completo significa uma policia que não realiza a quebra da atividade policial, fracionando-a em duas e reduzindo a sua efetividade, mas uma polícia capaz de atuar tanto no trabalho “ostensivo’ (na ausência de um termo melhor) quanto no investigativo. A solução para isso seria a unificação das polícias? Não! A solução efetiva teria que ser uma que agrade aos policiais e traga o que ambas tem de melhor: por que não uma polícia que realiza trabalho investigativo e ostensivo voltada para a proteção do cidadão (no que seria hoje Civil) e outra com a mesma estrutura da anterior, voltada para a proteção do patrimônio (no que seria hoje a Militar)? Isso aproveitaria o melhor das polícias atualmente.

Já que existe a necessidade de superar as questões estruturais, não há como não deixar de pensar em como essas questões refletem no indivíduo. Para isso, vou usar como instrumento a análise do militarismo na polícia. Não vou na mesma direção comum dos movimentos sociais porque meu objetivo é dialogar com o policial, então prefiro apresentar a perspectiva do policial em relação à militarização. Em termos jurídicos, a militarização já é um obstáculo para o policial porque: impede-o de sindicalizar-se e de construir uma greve para a categoria. A ausência desses direitos implica, por exemplo, em um trabalhador indignado com suas condições de trabalho, mas incapaz de fazer algo à respeito, por não ter instrumentos para tanto. Ademais, isso também é um reforço do caráter autoritário interno da polícia, já que tira do policial o direito de questionar o seu “superior”. Do ponto de vista do treinamento, uma polícia de caráter militar (que não necessariamente precisa ser uma Polícia Militar) retira a humanidade do policial transformando-o em mero agente do Estado. Faz isso não só quando retira a capacidade do policial de ser um agente questionador na equação (campo subjetivo), mas também quando abusa fisicamente e mentalmente, sob o pretexto de ensinar a disciplina (campo material). Isso retira do policial a sua humanidade, reduzindo o indivíduo a um agente do Estado incapaz de promover o contato com o cidadão. Como o policial será capaz de enxergar o outro como cidadão se não for capaz de enxergar a si mesmo? Talvez por esse mesmo motivo, apenas a família chora a morte do policial. Essa quebra de contato com o cidadão aliado a esse extravio da essência humana do policial que o reduz à farda e coturno, faz com que nos esqueçamos que por trás do uniforme existe um indivíduo com família, com amigos. Mais uma vez, reforço: o objetivo desse texto não é isentar ou condenar o policial, mas lembrar que existe um contexto histórico, social e estrutural em que esse policial está localizado e que faz com que suas ações sejam delimitadas a partir desse contexto.

Enxergar o policial como parte da estrutura é essencial porque desmistifica a ideia de que o problema é individual e a punição resolve. Punir o policial atualmente significa transferir o problema estrutural para o campo individual, um problema com elementos subjetivos e objetivos, um problema complexo que não será resolvido apenas com punições e prisões. Isso significa que estamos condenando ou isentando o policial? Não. Significa que estamos identificando os caminhos que o levaram até onde está e estamos propondo a mudança desses caminhos em sua origem (estrutura), para que ela não nos afete mais em seu fim (indivíduo), com punições ou prisões.

Ou mudamos a nível estrutural, ou continuaremos a passar maquiagem nos problemas da polícia e fingindo que vamos consertá-los com soluções simples.

* Alex Agra – Estudante de Ciências Sociais da UFBA

Fonte: Sindipoldf

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