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O Inquérito Policial com a Lei Anticrime

Excelente artigo, um dos melhores, sobre a atual situação do Inquérito Policial com a chegada da chamada “Lei Anticrime”.

22/05/2020

O arquivamento do inquérito policial antes da Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime)

Na sua redação original, o antigo artigo 28 do Código de Processo Penal, que vigorou a partir de 1º de janeiro de 1942, foi talvez um dos primeiros preceitos de cunho acusatório do ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo, porque, antes mesmo da Constituição de 1988, já iniciava a demarcação da separação entre as funções de acusar e julgar. No entanto, o mesmo dispositivo dava ao juiz uma função anômala, de fiscal da decisão de não denunciar. Essa intromissão indevida do juiz no órgão estatal responsável pela acusação pública afrontava esse mesmo princípio acusatório, que diferencia perfeitamente as funções ministeriais e judiciais, sendo vedado ao juiz proceder como órgão persecutório e sendo proibido ao Ministério Público atuar como se juiz fosse.

“Arquivamento de um inquérito policial era um ato complexo.”

Antes da Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime), o arquivamento de um inquérito policial era um ato complexo, acusatório/inquisitivo, pois tinha início com a promoção de arquivamento pelo Ministério Público. Segundo alguns autores, os autos eram então encaminhados à autoridade judicial para decisão sobre o “requerimento” apresentado pelo promotor natural. O juiz podia aceitar a proposta do Ministério Público, chancelando o encerramento da apuração, ou recusá-la. Neste caso, cabia-lhe enviar os autos à chefia do Ministério Público para que o Procurador-Geral, na condição de representante maior do dominis litis, determinasse o arquivamento, que só então seria obrigatório para o Poder Judiciário, dada à falta do poder de iniciativa, resultado do princípio da inércia da jurisdição.

Como se vê, o juiz não era obrigado a enviar os autos ao Procurador-Geral, como chefe do Ministério Público. Devia fazê-lo apenas se discordasse das “razões invocadas” pelo promotor natural, fosse ele quem fosse, de acordo com as regras de competência e atribuição, e fossem tais razões quais fossem. A regra valia tanto para o Ministério Público Federal (MPF) quanto para o Ministério Público dos Estados (MPE) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). No entanto, ao longo dos anos, desde a edição da Lei Complementar 75/1993, que instituiu a Lei Orgânica do Ministério Público da União (MPU), o Ministério Público Federal passou a arquivar inquéritos policiais ora em juízo, ora internamente perante suas câmaras de coordenação e revisão (CCRs), em linha com o modelo de segregação de funções acusatórias e adjudicatórias.

No regime original, havendo concordância do juiz, o caso criminal estaria arquivado. Se o juiz natural tivesse visão diversa daquela esposada pelo promotor de Justiça ou pelo procurador da República, devia enviar os autos do inquérito policial ao procurador-geral de Justiça (PGJ), nos casos de competência estadual ou distrital, ou ao procurador-geral da República (PGR), nos casos de competência federal. Inquéritos policiais militares e inquéritos eleitorais seguiam regras semelhantes previstas na legislação especial, o art. 397, §1º, do CPPM e o art. 357, §1º, do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965).

Com a Lei 13.964/2019, como veremos a seguir, tudo mudou. O juiz não mais atua em papéis anômalos. Naturalmente, este magistrado, que é agora o juiz de garantias, não estará alheio à etapa investigativa. Porém, só intervém no inquérito nas situações previstas no novo art. 3º-B do CPP, e nunca como substituto do órgão de acusação.

O arquivamento do inquérito policial após a Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime)

Em obediência ao princípio acusatório, o arquivamento de inquéritos policiais e procedimentos investigatórios criminais (PIC) deve ocorrer internamente (intra muros), ou seja, dentro do Ministério Público, sem ingerência judicial. Se o órgão do Ministério Público, após apreciação dos elementos informativos constantes dos autos do inquérito policial e a realização de todas as diligências cabíveis, convencer-se da inexistência de base razoável para o oferecimento de denúncia, deve decidir, fundamentadamente, pelo arquivamento dos autos da investigação ou das peças de informação.

Neste contexto, o promotor natural servirá como filtro da reação estatal diante do fenômeno criminal. Se, dentro do prazo legal, nos crimes de ação pública, o Ministério Público tomar a decisão de não acusar, a persecução criminal não poderá ser iniciada, nem de forma supletiva, por meio de ação penal privada subsidiária.

A nova redação do artigo 28 do Código de Processo Penal, decorrente da Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime) traz alterações consentâneas com o princípio acusatório, pois agora não se tem mais um pedido, uma promoção ou um requerimento de arquivamento, mas uma verdadeira decisão de não acusar, isto é, o promotor natural decide não proceder à ação penal pública, de acordo com critérios de legalidade e oportunidade, tendo em mira o interesse público, as diretrizes de política criminal aprovadas pelo Ministério Público.

O arquivamento dos termos circunstanciados de ocorrência (TCO) instaurados pela Polícia para apuração de infrações penais de menor potencial ofensivo, no âmbito da Lei 9.099/1995, seguirá a nova regra geral: arquivamento pelo Ministério Público sem intervenção judicial.

Para contrabalançar a vedação de intervenção judicial nesta etapa, o legislador instituiu duas salvaguardas.

A primeira exige que o promotor natural – seja ele membro do MPE, do MPF ou do MPM ou que esteja no exercício de funções do MP Eleitoral – sempre submeta sua decisão a controle hierárquico, para fins de homologação do arquivamento ou revisão dessa decisão, com substituição de seu pronunciamento em favor da realização de diligências complementares ou da deflagração imediata da ação penal. Este mecanismo garante a accountability horizontal, resguarda o interesse público, tem em conta o interesse da vítima e é compatível com o princípio da unidade institucional do Ministério Público, permitindo que os procuradores-Gerais de fato orientem a política criminal da instituição, de modo uniforme, sem violação de outro princípio constitucional igualmente importante, o da independência funcional.

“Embora a lei não diga, o investigado também poderá apresentar à instância revisional do Ministério Público suas razões para que o arquivamento seja homologado.”

A segunda salvaguarda diz respeito ao direito da vítima, ou de seu representante legal, de obter a reparação pelo crime que sofreu e ver o responsável processado e punido, com vistas, inclusive, mas não apenas isto, à indenização civil. Ao arquivar o caso, o promotor ou procurador deve determinar a intimação do ofendido ou de seu representante legal, pessoalmente, por escrito ou por comunicação digital, para que exerça seu direito de recorrer em 30 dias, com apresentação de suas razões ao órgão revisional do Ministério Público.

Se houver dados de identificação do investigado e se seu paradeiro for conhecido ou se ele tiver constituído advogado ou tiver defensor, o suposto autor da infração penal também deverá ser cientificado do arquivamento. Essa notícia integra-se ao patrimônio jurídico do investigado, agora fazendo parte do conteúdo do direito à ampla defesa. Embora a lei não diga, o investigado também poderá apresentar à instância revisional do Ministério Público suas razões para que o arquivamento seja homologado.

A autoridade policial que presidiu o inquérito também deve receber comunicação sobre o destino dado aos autos da apuração que presidiu, para que atualize seus registros, inclusive quanto à situação jurídica do investigado, que pode ter sido indiciado pela Polícia Judiciária.

Embora a Lei Anticrime não o diga, o arquivamento dos autos pelo Ministério Público também deve ser comunicado ao juiz de garantias, para baixa dos registros judiciais e, eventualmente, para a revogação de medidas cautelares, reais ou pessoais que tenham sido impostas ao suspeito ou ao indiciado.

Como se vê, com este sistema há um reforço dos mecanismos institucionais de controle da decisão de arquivamento, com sua submissão obrigatória, em todos os casos, à instância superior do Ministério Público, e com a abertura de possibilidade à vítima de oferecer razões contrárias à decisão de arquivamento, e ao investigado de apresentar argumentos favoráveis à decisão de não denunciar. Há a vantagem adicional de manter-se o juiz em sua condição de imparcialidade objetiva, sem que ele se veja obrigado a expor argumentos contrários ao arquivamento.

Problemas da nova sistemática do Art. 28 do CPP 

Apesar de aplaudimos a inovação legislativa, dela adveio pelo menos um problema imediato: a que órgão interno do Ministério Publico compete homologar ou não o arquivamento do inquérito policial?

O novo artigo 28 do CPP não menciona mais o Procurador-Geral como o órgão do Ministério Público que decide finalmente pelo arquivamento, ordena diligências complementares ou designa outro membro do Parquet para proceder à ação penal.

Agora esse dispositivo usa os termos “na forma da lei” e “conforme dispuser a respectiva lei orgânica” para se referir ao procedimento de arquivamento. Exige-se então um exame das normas internas de organização do Ministério Público.

A Lei orgânica do MPU, de 1993, aparentemente não estabelece expressamente o órgão ao qual compete homologar decisões de arquivamento. Quanto ao MPF, o art. 62, inciso IV, da LC 75/1993 atribui as câmaras de coordenação e revisão a competência para “manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral”. Entendia-se que este dispositivo dialogava com a antiga redação do art. 28 do CPP. Pelo texto combinado dos dois dispositivos, a decisão seria do PGR, ouvindo-se antes a Câmara Criminal competente. Na prática do MPF, porém, o PGR não tomava parte da decisão.

O art. 136, IV, da LC 75/1993 tem disposição semelhante em relação ao MPM, dizendo competir à sua Câmara de Coordenação e Revisão “manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial militar, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral”. A decisão de homologação, ou não, cabe, nos termos art. 397, §1º do CPPM, ao Procurador-Geral da Justiça Militar, após o opinativo da câmara criminal do MPM.

Por sua vez, o art. 171, V, da LC 75/1993 estabelece que compete às câmaras de coordenação e revisão do MPDFT “manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral”. Lá as duas câmaras com competência criminal apenas opinam, e a decisão homologatória ou não cabe ao Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Assim, no MPU, órgãos colegiados manifestam-se previamente à decisão dos respectivos procuradores-gerais, sendo que, no MPF, as funções que pelo art. 28 do CPP competiam ao PGR são de fato exercidas pelas câmaras criminais, que decidem pela homologação ou pela não homologação das decisões de arquivamento. A partir daí cabe aos procuradores-chefes nos Estados e também no Distrito Federal designar outro membro do MPF para atuar em caso de não homologação.

Com a alteração da redação do art. 28 do CPP, esta atribuição dos chefes dos Ministérios Públicos não está mais expressa no código processual comum, embora permaneça no Código Eleitoral e no CPPM, nos arts. 357, §1º e 397, §1º, respectivamente, que podem ser aplicados analogicamente nesta parte aos inquéritos comuns. Associados ao art. 49, incisos XXII e XXIII, e ao art. 50, inciso I, da LC 75/1993, tais dispositivos resolvem a lacuna.

A Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) é de pouca valia no ponto, pois também se remete ao art. 28 do CPP (antiga redação). Porém, na parte útil, desde 2017 previa duas opções: o arquivamento em juízo ou perante “órgão superior interno competente”, numa referência às câmaras do MPU.

Já a lei federal dos Ministérios Públicos estaduais também não trata diretamente do arquivamento de inquéritos policiais. O art. 10, IX, alínea “d”, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados (LONAMP) confere aos Procuradores-Gerais de Justiça competência para designar membros do Ministério Público para “oferecer denúncia ou propor ação civil pública nas hipóteses de não confirmação de arquivamento de inquérito policial ou civil, bem como de quaisquer peças de informações”. Sobre o procedimento de ratificação nada diz.

“As leis orgânicas estaduais não podem inovar em processo penal.”

Naturalmente, continua sendo dos PGJs a competência para designar membros do Ministério Público para oferecer denúncia em caso de não confirmação de arquivamento de inquérito policial. Mas não fica claro a que órgão da instituição caberia revisar a decisão inicial de não acusar. Na falta de previsão expressa e tendo em mira que o PGJ é o chefe da instituição, cumprindo-lhe representá-la, como cláusula geral, a menção indistinta ao Ministério Público deve ser lida como menção ao Procurador-Geral. Esta solução, ademais, mantém a tradição do antigo art. 28 do CPP.

Deste modo, ao receber os autos com a decisão de arquivamento, o órgão de revisão do Ministério Público (o procurador-geral ou o órgão delegado) pode homologá-la ou, caso dela discorde, pode determinar a continuidade das investigações ou designar outro membro do Ministério Público para denunciar o investigado. Embora se trate apenas de definir, dentro da economia interna do Ministério Público, qual é o órgão competente para tal homologação, as leis orgânicas estaduais não podem inovar em processo penal.

O legislador brasileiro desincumbiu do papel de definir o padrão nacional por meio da Lei Complementar 75/1993, que institui a Lei Orgânica do Ministério Público da União (LOMPU), e da Lei 8.625/1993, a Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos dos Estados (LONAMP), aos quais o regime do MPU também se aplica, por força do art. 80 da Lei. 8.625/1993.

Portanto, lei adicional alguma é necessária para equacionar essa questão, tendo em vista dispositivos da LOMPU, da LONAMP, do próprio CPP e, analogicamente, do CPPM e do Código Eleitoral.

O reforço ao princípio da unidade institucional e à utilidade da persecução criminal

Um dos princípios constitucionais adensados pelo novo art. 28 do CPP é o da unidade institucional, previsto no art. 127, §1º, da Constituição. Não havendo mais ingerência judicial na decisão de não acusar e sendo obrigatória, para todos os inquéritos, a ratificação pelo órgão superior do Ministério Público, o posicionamento da instituição em matéria penal será muito mais abrangente e uniforme.

A última palavra no arquivamento não é a do promotor natural; é a da instituição organicamente considerada, após a revisão “hierárquica” da decisão de não acusar. A última vontade a prevalecer não é a do juiz A ou do juiz B, geograficamente dispersos pelas comarcas e subseções do País, quando exerciam o controle do arquivamento casuisticamente. O novo mecanismo do art. 28 do CPP permite consolidar entendimentos institucionais coerentes e objetivos para todos os inquéritos arquivados em um Estado ou na Justiça Federal. Não se trata apenas de um enriquecimento do patrimônio informacional da instituição, do ponto de vista estatístico e qualitativo, mas de uma ferramenta de boa gestão de recursos humanos e materiais para os fins da persecução criminal, permitindo à instância superior orientar o Parquet em relação ao princípio da oportunidade da ação penal, em torno da insignificância, ou no tema da justiça pactuada ou da justiça restaurativa, por exemplo, com elevado proveito para a segurança jurídica e o correto emprego das verbas do orçamento orgânico.

“O arquivamento interno do procedimento inquisitorial já ocorre há vários anos no Ministério Público Federal.”

Mais do que antes, diretrizes de política criminal específicas podem ser aprovadas pelo Ministério Público para orientar sua atuação em juízo e fora dele, a partir das linhas gerais traçadas pelos Poderes Executivo e Legislativo, com foco nesta ou naquela infração penal, eleita como de enfrentamento prioritário pelo Parquet, por oposição a outras em relação às quais valerão critérios mais largos e precisos de prosecutorial discretion. As “razões invocadas” para o arquivamento continuarão a ser expressadas pelo promotor natural. Mas o juízo sobre a suficiência delas para o encerramento da investigação sem denúncia poderá ser estabelecido de antemão, em orientações uniformes do órgão revisor, ou constituir sua jurisprudência em enunciados cogentes, que influenciarão as decisões de acusar ou de não acusar, de maneira homogênea em cada Estado ou na União.

O arquivamento interno do procedimento inquisitorial já ocorre há vários anos no Ministério Público Federal, embora não com a abrangência total inaugurada pela Lei 13.964/2019. A experiência institucional federal pode ser aproveitada pelos demais Ministérios Públicos e aperfeiçoada, no que for necessário, especialmente a prática dos enunciados e orientações das Câmaras de Coordenação e Revisão, que se inspirou em uma leitura contemporânea do antigo art. 28 do CPP.

O necessário aperfeiçoamento da resolução CNMP 181/2017

Editada para substituir a Resolução CNMP 13/2006, que regulou pela primeira vez o procedimento investigatório criminal (PIC), a Resolução CNMO 181/2017 contém minucioso tratamento de questões atinentes a apurações criminais conduzidas pela instituição. A regulamentação do CNMP ganhou maior importância depois que o STF confirmou o poder investigatório do Ministério Público em 2015.

O legislador federal deveria ter tido a cautela de estabelecer a regulação mínima no texto modificado. Não o tendo feito, cabe ao CNMP adaptar o art. 19 da Resolução 181/2017 ao novo modelo do art. 28 do CPP. A seguir, algumas sugestões para a regulamentação supletiva, pelo CNMP ou nos regimentos internos dos Ministérios Públicos:

  1. Os inquéritos policiais são arquivados internamente pelo Ministério Publico, por decisão do promotor natural;
  1. A vítima, o investigado, a autoridade policial e o juiz das garantias devem ser informados da decisão do promotor natural, podendo a vítima ou seu representante legal e o investigado apresentar razões escritas;
  2. A apresentação dessas razões pode ser feita ao promotor natural, após a intimação da decisão, ou diretamente ao órgão superior de revisão, no prazo legal;
  3. Salvo nos casos de competência originária dos Procuradores-Gerais, isto é, nos casos de foro especial por prerrogativa de função, tais decisões de arquivamento devem ser submetidas a controle interno obrigatório, ainda que não haja recurso da vítima ou de seu representante legal;
  4. O controle hierárquico da decisão de não acusar deve ser feito por órgão superior da instituição, isto é, pelo próprio Procurador-Geral; por serviço ou assessoria por ele criado para este fim; ou por órgão colegiado existente na estrutura do Ministério Público;
  5. Por analogia, esse procedimento também se aplica aos casos de competência da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar;
  6. Uma vez homologado o arquivamento, a deliberação final do Ministério Público deve ser levada ao conhecimento da vítima ou de seu representante legal, do investigado, do juiz de garantias e da autoridade policial que presidiu o inquérito;
  7. A submissão do caso a homologação, e a intimação ou comunicação em caso de arquivamento podem ser feitas por meios eletrônicos;
  8. A interposição de recursos e a apresentação de razões também pode ser feita eletronicamente, com possibilidade de acompanhamento da tramitação pela Internet, observados os sigilos legais;
  9. Em não sendo homologado o arquivamento, o Procurador-Geral ou o órgão interno delegado designará outro membro do Ministério Público para proceder a novas investigações ou para oferecer a denúncia perante o juiz de garantias;
  10. Salvo em caso de recurso voluntário do ofendido ou de seu representante legal, a submissão da decisão de arquivamento ao órgão superior competente é dispensada quando estiver fundada em enunciado ou orientação de câmara de coordenação ou de centro de apoio operacional ou do próprio órgão revisor;
  11. Após o arquivamento, os autos do inquérito policial, quando físicos, devem ser encaminhados ao cartório ou serventia do juízo de garantias, para acautelamento;
  12. Os elementos probatórios recolhidos durante a investigação criminal na forma dos arts. 158-A e seguintes do CPP (“vestígios”) devem ser mantidos na central de custódia estadual, federal ou distrital;
  13. Os bens apreendidos devem ter o encaminhamento previsto em lei, restituição, alienação antecipada ou destinação a órgãos públicos.

Não percamos de vista que, em função do princípio da unidade institucional do Ministério Público, esse organismo estatal é, ele mesmo, uno. Seu regime constitucional é o mesmo. As normas fundamentais e os princípios gerais que o regem são comuns aos quatro ramos do MPU e aos 26 MPs estaduais. Logo, as respectivas leis orgânicas são mutuamente aplicáveis, supletivamente, complementando-se reciprocamente naquilo que couber. O art. 80 da Lei 8.625/1993 o diz expressamente; a via inversa também é verdadeira.

Deste modo, a composição da LOMPU e da LONAMP, com o CPP, permite, construir a solução que ora oferecemos, sem necessidade de projeto de lei de iniciativa presidencial ou do PGR, para especificar o que já está no Estatuto do Ministério Público.

Em reforço a esta solução, temos claro que a Lei Anticrime não alterou o Código Eleitoral, de 1965, nem o Código de Processo Penal Militar, de 1969, nos dispositivos que atribuem aos chefes do MP eleitoral nos Estados, ao PGJM e aos PGJs a competência para decidir promoções de arquivamento de inquéritos policiais eleitorais ou de inquéritos policiais militares. Os dispositivos pertinentes (o art. 357, §1º, do CEl, e o art. 397, §1º do CPPM) podem ser aplicados analogicamente (art. 3º, CPP) à jurisdição comum para preenchimento da lacuna do art. 28 do CPP.

O CNMP pode incentivar a criação de colegiados em cada Ministério Público, com competência consultiva ou decisória, para a ratificação das decisões de arquivamento de inquéritos policiais. A lei orgânica nacional e em geral as estaduais permitem a delegação de atribuições do Procurador-Geral a outros órgãos do Ministério Publico, assim como a organização de assessorias. Pode ser admitida a criação de órgãos revisores nos Estados maiores, para enfrentar a carga concentrada de feitos arquivados subtendidos a homologação.

O arquivamento de inquéritos de competência originária

A LC 75/1993 (LOMPU) e a Lei 8.625/1993 (LONAMP) reservam aos respectivos procuradores-gerais a atribuição para determinar o arquivamento de inquérito policial ou peças de informação relativos a fatos sujeitos à competência dos  tribunais de justiça, dos tribunais regionais federais, dos tribunais regionais eleitorais, do STM, do STJ e do STF.

Assim, nos casos de foro especial por prerrogativa de função, o PGR, o PGJ e o PGJM já podiam arquivar diretamente inquéritos criminais, por serem de sua atribuição originária. Como reconhece o STF em sua jurisprudência, a decisão dos Chefes do Ministério Público não está sujeita a controle judicial. Para os inquéritos policiais militares esta faculdade está clara desde 1969 no §1º do art. 397 do CPPM.

“O arquivamento do inquérito é uma decisão de competência exclusiva do Procurador-Geral.”

De fato, mais de uma vez o STF decidiu que a promoção de arquivamento pelo PGR é irrecusável. No agravo regimental na PET 2509/MG, a Corte entendeu que “o pedido de arquivamento de inquérito policial, motivado pela ausência de elementos que permitam ao Procurador-Geral da República formar a opinio delicti, não pode ser recusado pelo Supremo Tribunal Federal”.

Pelo art. 1º da Lei 8.038/1990, nos casos de foro especial por prerrogativa de função, o Procurador-Geral pode pedir o arquivamento do inquérito ou das peças informativas, cabendo ao relator, no termos do art. 3º, inciso I, da mesma lei, “determinar o arquivamento” quando o requerer o Ministério Público ou “submeter o requerimento à decisão competente do Tribunal”.

O novo art. 3º-A do CPP, que trouxe expressamente o princípio acusatório para a legislação infraconstitucional, passa a ter efeito irradiador, alcançando também a Lei da Ação Penal Originária. Doravante, o arquivamento do inquérito é uma decisão de competência exclusiva do Procurador-Geral, não podendo ser rejeitado pelo tribunal competente, estadual ou federal.

Os regimentos internos dos tribunais devem, portanto, adaptar-se ao novo art. 3º-A do CPP e à nova redação do art. 28 do mesmo código.

O arquivamento de inquéritos na justiça militar e na justiça eleitoral

O art. 3º-A do CPP terá impacto nos casos de competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Embora regidos por legislação especial, a persecução penal de crimes militares e crimes eleitorais está sujeita ao princípio acusatório, que foi densificado no ordenamento brasileiro, por extração a partir do art. 129, inciso I, da CF.

Não é de se estranhar essa solução, porquanto o STF já decidiu em semelhante sentido, quando foi modificado o art. 400 do CPP comum, para alteração do momento de realização do interrogatório do acusado. Com a Lei 11.719/2008, este ato passou a ser o último da instrução criminal no procedimento comum.

Por força de interpretação constitucional, no HC 127.900/AM, o STF estendeu a inversão da ordem do interrogatório aos processos penais militares e eleitorais, tendo em conta os princípios do contraditório e da ampla defesa. O interrogatório ficou como último ato da instrução também nos casos de competência originária, regulados pela Lei 8.038/1990, conforme decisão do STF na AP 1027.

Mutatis mutandi, o art. 357, §1º, do Código Eleitoral, e o art. 397 do Código de Processo Penal Militar devem ser lidos de forma a excluir a intervenção de juiz na decisão de não acusar. Esta deliberação deve ser tomada pelos promotores eleitorais ou pelos promotores militares na forma do art. 28 do CPP, por analogia nesta parte. Os membros do Ministérios Público que atuem em zonas eleitorais ou em circunscrições militares devem submeter suas decisões de arquivamento ao órgão revisional do MPM, nos casos de competência da Justiça Militar da União; ao PGJ ou ao órgão delegado dos MPs estaduais, nos casos de competência da Justiça Militar dos Estados; ou à 2ª CCR do MPF, nos casos de competência da Justiça Eleitoral.

Conclusão

A nova redação do art. 28 do CPP consolidou o modelo acusatório na tramitação de inquéritos policiais, restringindo a participação do juiz criminal – nesta etapa chamado de juiz de garantias ­– a decisões marcadas por cláusula de reserva de jurisdição.

O juiz criminal não participa mais do procedimento de arquivamento ou de desarquivamento de inquéritos policiais. No entanto deve ser informado da instauração do inquérito, de seu arquivamento e de eventual desarquivamento.

O procedimento a ser adotado pelo Ministério Público para o arquivamento continua substancialmente o mesmo, cabendo ao Procurador-Geral ou a órgão delegado homologar, ou não, a decisão proferida pelo promotor natural.

Infelizmente, a afoiteza do processo legislativo promoveu alterações que não foram bem pensadas acentuando-se a assistematicidade do CPP, que se já se aproxima do seu octogésimo aniversário. Todavia, a leitura do art. 28 do CPP, com o apoio analógico dos arts. 357, §1º, do Código Eleitoral, e do art. 397, §1º, do CPPM, em conjunto com os artigos pertinentes da Lei Complementar 75/1993 e da Lei 8.625/1993, permitirá ao CNMP, sem criar direito novo, aclarar o procedimento interno do Ministério Público no arquivamento e desarquivamento de inquéritos policiais. Regras adicionais podem ser estabelecidas pelos regimentos internos dos Ministérios Públicos.

Parte dos problemas logísticos decorrentes do art. 28 do CPP poderão ser solucionados com a adoção de tramitação eletrônica dos inquéritos e dos recurso e diretrizes uniformes.

Nosso esforço neste texto consistiu em tentar contribuir para revelar algumas soluções possíveis para o novo modelo, suas bases legislativas e as linhas principiológicas nas quais se apoiariam. Certo que se espera a formulação de regulamentação pelo CNMP ou o aperfeiçoamento da legislação pelo Congresso Nacional ou a formação de jurisprudência supletiva neste campo novo.

Fonte: genjuridico – autor: Francisco Dirceu Barros (Promotor de Justiça Eleitoral e Promotor de Justiça Criminal. Mestre em Direito. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Professor. Colunista. Palestrante. Autor.)

 

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